Congresso da SBO 2023, Belo Horizonte
Sessão Solene de Homenagem ao Prof. Hilton Rocha
A Cirurgia Plástica Ocular e Hilton Rocha
Esses minutos são poucos para lhes contar o quanto sou grato ao Professor Hilton. Preciso antes de mais nada, mostrar a admiração que tenho por ele desde que o conheci, em 1962, quando aqui estive em BH disputando um torneio de tênis universitário. Eu estava no sexto ano da faculdade, ainda indeciso quanto à escolha da especialidade para exercer a medicina. Hospedado na casa de minha tia-madrinha, conheci o Dr. Joaquim Queiroz, recém-casado com minha prima Rosa Maria, que me levou então para conhecer o HSG, onde trabalhava no Setor de Anatomia Patológica do Departamento de Oftalmologia da UFMG, chefiado pelo Professor Catedrático Hilton Rocha. Naquele tempo esse título conferia uma aréola diferenciada de respeito e endeusamento que acanhava qualquer estudante. O Professor Hilton desceu do pedestal, cumprimentou o jovem formando e me levou a conhecer sua biblioteca, seu maior legado, fonte do seu notável saber. Ao despedir, me ofereceu seu Serviço, caso me decidisse pela Oftalmologia. Conheci assim a sua simplicidade, a sua humildade, qualidade inata dos grandes homens, ícones da humanidade.
No ano de 1965, quando completei a residência no Hospital São Geraldo -, o Professor Hilton Rocha criou o Setor de Cirurgia Plástica Ocular e me convidou para chefiá-lo. Pela primeira vez a Cirurgia Plástica Ocular passou a fazer parte do currículo do curso de especialização em oftalmologia em uma universidade brasileira. Tive o privilégio de dirigir esse Serviço pioneiro da especialidade durante 34 anos. Além do atendimento aos pacientes, o Serviço ministrava o curso teórico e o estágio ambulatorial e cirúrgico para os residentes do Curso de Especialização em um sistema de rodízio de dois meses. A primeira turma foi a de 1966. A disciplina “Cirurgia Plástica Ocular” estava assim implantada no Curso de Formação do Oftalmologista e serviu de exemplo para outras residências de oftalmologia no Brasil também incorporarem a plástica ocular nos seus programas de ensino.
Além disso, o Setor produziu trabalhos científicos, promoveu cursos, palestras, apresentações em congressos no Brasil e no exterior, difundindo a especialidade. Em 1971 criou o Fellowship, com dedicação exclusiva durante um ano, que desde então tem formado cirurgiões oculoplásticos. Esse programa foi reconhecido em 1988 pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia com o nome de Curso de Extensão em Cirurgia Plástica Ocular. São muitos profissionais, espalhados pelo país inteiro, comandando serviços semelhantes, contribuindo para o progresso da Especialidade. Toda essa evolução, todo o planejamento e realizações tinha o aval do Professor Hilton. Suas orientações eram sempre bem-vindas, encantava a sua solidariedade. Sem aparecer, sem interesses outros além de elevar o nome da sua Instituição, ele promovia seus assistentes, procurando a união de todos focando esse objetivo. O Professor Hilton era um líder empático, com rara capacidade empreendedora. Foi pioneiro no Brasil a antever um futuro profícuo para a especialidade que emergia no mundo inteiro após a segunda guerra.
Vejo o momento com entusiasmo e satisfação pelo que tem sido conquistado. A Cirurgia Plástica Ocular Brasileira goza de elevado conceito internacional. No entanto chamo atenção para as transformações que vem passando, a exemplo de suas congêneres, ampliando seu campo de atuação com a Cirurgia Cosmética, sobretudo impulsionada pela moderna tecnologia. Dediquei minha vida profissional a realizar, aprender e ensinar a Cirurgia Reconstrutora, à recuperar deformidades ou mutilações congênitas ou adquiridas. Raramente realizávamos uma cirurgia estética no HSG. Mas, atualmente a cirurgia estética, aquela que é reparadora dos defeitos causados pela senilidade, deu lugar aos procedimentos cosméticos de “harmonização”, incluindo as aplicações de botox, preenchimentos, laser ou outros, todos de alta rentabilidade. Atração para aqueles que querem rejuvenescer ou manter a beleza. Atração também para médicos de outras especialidades – (não existe ainda no Brasil definição para as áreas de atuação) – esteticistas, dentistas… e outros. Surgem a cada dia mais numerosos os cursos autopromocionais, em grande maioria sem referência às suas instituições, assim como as agressões à ética mostrando resultados antes e depois. As complicações estão mais frequentes em nossos consultórios, aumentando progressivamente os casos de cirurgias reconstrutoras dessas iatrogenias, produzidas pela argentária exploração da vaidade.
Que podemos fazer? Como manter a dignidade médica dos cirurgiões plásticos oculares brasileiros? Socorro Professor Hilton! A reforma ética da medicina nacional é tão necessária quanto as reformas política, educacional, tributária, da saúde, de toda a infraestrutura brasileira.
Penso no conselho que o senhor me deu: “seja como o rochedo. Aguente o bater das ondas, que depois do estrondoso choque esmaecem e voltam tranquilas para o mar”.
Minha Gratidão ao Professor Hilton: a ele devo tudo o que sou profissionalmente.
Eduardo J. C. Soares